Nova geração da internet tem potencial de aprimorar agropecuária no futuro, mas revolução digital na lavoura ainda passa por ampliar cobertura 4G. Conexão mais moderna permitiria maior controle de produção, entre outros benefícios.
No mundo da tecnologia portátil, não se fala em outra coisa. A quinta geração da internet móvel, o 5G, começou a chegar às capitais brasileiras. E se engana quem pensa que somente a vida das pessoas que moram em áreas urbanas deve mudar com a novidade.
De acordo com especialistas em tecnologia do campo, os produtores rurais podem ser os maiores beneficiados. Mas não diretamente com o 5G. A revolução no agro deve começar pelo 4G.
Mas como assim? Ao longo desta reportagem, você vai entender como a vinda do 5G pode influenciar a vida dos agricultores, tanto para aprimorar a produção agropecuária quanto para romper com os empecilhos que se impõem pelo caminho, nos seguintes tópicos:
1. Conectividade e o aumento da produção
2. Investimentos no campo
3. Diminuir a defasagem na conexão
4. Um olhar para o futuro
1. 5G e aumento de produção
“No longo prazo, os efeitos do 5G serão mais importantes no campo do que nas grandes cidades. A certeza é que vai ser muito bom. Tem um efeito transformador para os negócios rurais. Essa tecnologia também é uma oportunidade de fecharmos o atraso tecnológico e cultural que temos. Mexe com todo um ecossistema.”
A análise é de José Ronaldo Rocha, sócio e líder de Consultoria em Telecomunicações da EY na América Latina Sul. Para que essa previsão se confirme, no entanto, é necessário avançar com a conectividade no campo. E o próprio 5G vai obrigar que isso aconteça.
“Hoje, nas cidades, falamos da tecnologia 5G, mas ainda falta bastante para que o acesso a qualquer tipo de internet chegue a todo o agronegócio. Nesse caso, ainda estamos falando em conectar alguma coisa. Só 23% do campo no Brasil tem acesso a uma boa tecnologia”, diz.
A pecuarista Chris Morais é uma prova de que a tecnologia aplicada ao campo pode transformar a produção de alimentos no Brasil. Criadora de gado de corte e presidente da Câmara de Pecuária na Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, ela investiu em agricultura de precisão na Fazenda Aerorancho, em Barretos (SP).
Com o auxílio de técnicos de uma cooperativa da região, Chris utiliza veículos não tripulados e toda uma rede de equipamentos com GPS para fazer um mapeamento completo do solo da propriedade, certificada pelo Governo Paulista pelas boas práticas ambientais.
Com isso, pode saber qual tipo de plantio mais adequado a ser feito ou promover uma correção a taxa variável, que consiste em aplicar a quantidade de nutrientes na terra de acordo com as necessidades de cada trecho, o que evita desperdícios.
O uso de calcário, por exemplo, diminuiu 30%. Por outro lado, a tecnologia permitiu colocar seis unidades de animal a mais por hectare. “Sem isso, a gente não conseguiria aumentar a produção de forma sustentável, como fazemos.”
A pecuarista conta que os benefícios poderiam ser ainda maiores se tivesse uma internet móvel de qualidade. Como o 3G da fazenda não funciona adequadamente, a quantidade de fertilizantes a ser aplicada em cada área da propriedade é repassada posteriormente pela cooperativa. Se contasse, pelo menos, com uma melhor conexão dessa modalidade , ela poderia conhecer as informações logo depois de as amostras serem coletadas. O 5G possibilitaria ainda mais avanços.
Só pra você ter uma ideia, tenho um vagão na minha casa que tem uma balança eletrônica. Eu ponho um pen drive que me mostra a hora que carregou, o que carregou, o horário, tudo. Se tivesse uma internet pra valer, eu saberia exatamente onde ele está funcionando. Seria só instalar um software. Mas, neste caso, precisaria do 5G.”
2.Investimentos no campo
De acordo com José Ronaldo Rocha, da EY, o 5G permitiria um maior controle do que está sendo produzido. Na pecuária de corte, como é o caso de Chris, deve eliminar etapas onerosas, como juntar toda a boiada, contar o número de cabeças e monitorar a saúde do rebanho sempre de forma presencial.
No entanto, para que sua implementação no campo seja possível, é importante que os agricultores entendam a tecnologia, o que deve ainda demandar tempo. Para ele, é preciso, primeiro, conectar o campo para depois pensar em inserir o 5G.
“A diferença é grande entre quem tem uma boa tecnologia e quem não tem. E, quando digo que é preciso entender a tecnologia, não me refiro às grandes propriedades, porque elas já têmacesso. Conseguem comprar e utilizar. Falamos do pequeno e do médio agricultores, que desenvolveram formas de trabalhar sem tecnologia.”
Rocha avalia que, em um país do tamanho do Brasil, essas questões se tornam ainda mais relevantes, considerando a existência de áreas remotas, cuja tendência é que não façam investimentos rapidamente em tecnologia. “As empresas do ramo vão priorizar onde o retorno é mais rápido”. Em contrapartida, diz ele, o leilão do 5G exige que se priorize o acesso à tecnologia antes da arrecadação, o que deve forçar a conexão no campo a partir do 4G.
“Elas [empresas] vão ter que desenvolver esse quesito nas áreas mais remotas. O dinheiro arrecadado será uma contrapartida para conectar propriedades e escolas que não têm atratividade para essas empresas”, afirma.
3.Diminuir a defasagem de conexão
Em 2018, visando reduzir o número de propriedades sem conectividade, surgiu a associação ConectarAGRO, que foi lançada no ano seguinte durante a Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, realizada em Ribeirão Preto.
Em julho de 2020, a iniciativa foi oficializada como associação civil sem fins lucrativos, por meio de uma parceria entre as empresas AGCO, Climate FieldView, CNH Industrial, Jacto, Nokia, Solinftec, TIM e Trimble.
A ConectarAgro promove conectividade via banda larga 4G de 700 MHz, tecnologia utilizada em mais de 95% do território latino-americano, já que a associação visa ampliar a cobertura para países vizinhos. No Brasil, um dos principais objetivos é atingir os rincões do país, por meio de projetos desenvolvidos em parceria, por exemplo, com cooperativas.
A presidente da ConectarAgro, Ana Helena Andrade, destaca, no entanto, que mesmo em lugares mais desenvolvidos como São Paulo, considerado o estado mais rico do país, há sérias deficiências no campo.
“São Paulo tem o maior número de antenas instaladas, mas, a exemplo dos outros estados e cidades, elas estão centralizadas nas áreas urbanas e perto de rodovias. Quando você olha os mapas dos municípios, percebe que, conforme vai se afastando de áreas urbanas, as antenas começar a se tornar raras”, diz.
Ao analisar a região de Ribeirão Preto, Ana Helena afirma que a situação não muda muito. “Quando a gente vai sentido zona rural, logo percebe a falta de sinal para o agricultor.”
A associação já levou conectividade a 7 milhões de hectares em todo o Brasil. Metade das propriedades atendidas tem até 100 hectares. Apesar disso, para Ana Helena, o 5G não vai chegar às áreas de produção agrícola em curto prazo.
“Como é que o 5G poderá contribuir? Ele foi o primeiro leilão que não foi arrecadatório. Para permitir a sua exploração da frequência, o governo colocou a obrigatoriedade de investimentos pelas operadoras. Como contrapartida, as empresas têm que fazer a cobertura de vários municípios, principalmente com tecnologia 4G de 700 MHz. São quase 7.400 localidades que vão ter que ser cobertas.”
4.Um olhar para o futuro
A presidente da associação explica que isso pode representar uma revolução no agro. “Vai permitir controle a distância de frota, de pragas, de uso de defensivos. E esta é uma tecnologia que, se coloca a antena, consegue cobrir, em topografia plana, até 30 mil hectares”.
Um investimento pequeno, segundo ela, para cobrir uma grande área e até com vantagens em relação às frequências disponibilizadas atualmente para o 5G. “No caso do 5G, para cobrir a mesma área, seriam necessárias de quatro a seis antenas. O 4G 700 percorre uma distância muito maior do que o 5G de agora. Então, a meu ver, a revolução do agro vai ser pelo 4G.”
Para Ana Helena, porém, as previsões para a aplicação de tecnologia no campo ainda são especulatórias, já que as funcionalidades não estão todas desenvolvidas.
Ela cita os diversos movimentos que estão em curso para ampliar a conectividade nas áreas rurais, como a discussão para a implantação de uma política pública estadual, pesquisas acadêmicas, movimentos do capital privado e a própria percepção dos agricultores em relação aos benefícios gerados pelas tecnologias.
“Nesse cenário, há só uma certeza: quanto mais rápido for esse investimento, mais forte será a agricultura paulista”.